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O povo está nas ruas: #ForaMicarla
por Daniel Araújo Valença*
O Rio Grande do Norte e sua capital se notabilizaram nacionalmente, nos últimos anos, por não seguir a tendência no Nordeste de perda de poder das antigas oligarquias e expansão de setores de esquerda e centro-esquerda. Fomos o único estado do NE a garantir a eleição do DEM em 2010 e de um senador que remonta aos períodos ditatoriais – José Agripino Maia. Na Assembléia Legislativa e na Câmara da capital, contam-se nos dedos os parlamentares de esquerda e centro-esquerda. Porém, destas veias já jorraram a Intentona Comunista – por poucos dias, é verdade, mas revolucionária em 1935 – ; o governo Djalma Maranhão e o início do processo educacional revolucionário de Paulo Freire, dentre vários outros momentos históricos para o país.
Em um momento em que o Oriente Médio e a Europa fervem, aqui em Natal, estudantes, militantes políticos, partidários ou de movimentos sociais, cidadãos descontentes, ocuparam a Câmara Municipal da cidade desde a tarde do dia 07 de junho, recuperando a história de luta e deixando claro às elites locais que nosso povo não se constitui em uma massa amorfa, sem rosto e sem voz, como em algum momento lhes pareceu.
O movimento #ForaMicarla #XoInseto acumula as lutas contra os aumentos de passagens, abusivos e realizados na calada da noite, os ataques ao SUS, à educação e outras áreas sociais protagonizados pela prefeita, os debates travados nas redes sociais e a rejeição popular à prefeita do PV, que apresenta índices comparáveis à imbatível Ieda Crusius-PSDB do nosso outro Rio Grande. Após vários atos, finalmente ocupou-se a Câmara Municipal com a reivindicação do impeachment da mandatária. A ocupação estava sendo transmitida pelo twitter, www.foramicarla.com, mas o sinal perdeu-se… ou foi cortado? Do outro lado, a grande mídia majoritariamente tem abordado o movimento de maneira negativa.
Para além dos rumos que o movimento tomará, já é possível indicar alguns elementos essenciais desse processo:
1. Ao contrário das mobilizações populares espanholas recentes, em nosso processo há um diálogo entre as “novas formas de militância” (nas redes sociais) e as históricas em movimentos sociais e partidos de esquerda – diálogo tenso, às vezes beirando o rompimento, inclusive ainda não dado, porém, que manteve a unidade de ação até o momento.
2. Mais uma vez, comprova-se que a mídia comercial não nos contempla e não exerce sua função democrática – Micarla de Sousa, por exemplo, detém a filial do SBT no RN, herdada de seu pai, ex-senador. E, de outro lado, é latente que precisamos organizar nacionalmente uma rede de comunicações alternativas – e a esquerda tem que buscar ao máximo a unificação para tanto – em que cada militante, cada movimento social possa acessar e difundir rapidamente os acontecimentos, por mais que o twitter já cumpra em parte esse papel.
3. A gestão da Prefeitura do Natal não mudará se Micarla for derrubada – ela apenas representa uma aliança empresarial que tomou para si o Estado, como ficou claro, à época, em editorial do Jornal de Hoje, que afirmava terem os empresários derrotado o prefeito Carlos Eduardo. Advindos dos setores empresariais da saúde, dos transportes, da construção civil e da educação, é este arco que explica o porquê da Prefeita terceirizar/privatizar o SUS; aumentar as passagens em finais de expedientes, vésperas de feriados e sem debate púbico sobre a planilha de gastos das empresas; ter tentando alterar o Plano Diretor por decreto, dentre outras medidas. Não foi sua incompetência, apenas, mas tudo isso é o resultado das forças que a financiaram e ela as representa. Em uma democracia fundada na representatividade, são esses setores que devem ser derrotados em 2012 para que ocorram mudanças reais na cidade.
4. Os últimos acontecimentos na Europa e no Brasil – veja-se o caso da aprovação do Código Florestal – revelam que a democracia representativa está falida. Tanto o movimento #ForaMicarla como os demais de todo o país têm que se unificar para uma alteração não apenas das regras eleitorais – e aí é um grande passo o financiamento público de campanha, que não apenas diminuirá o lobby e a corrupção de empresas financiadoras de campanhas multimilionárias, como proporcionará que, para além de empresários, latifundiários e oligárquicos, estudantes, sindicalistas, ativistas e outras lideranças tão legítimas, quanto as primeiras, também tenham boas chances eleitorais, e fidelidade partidária/voto em lista – como também uma refundação da democracia baseada na participação popular direta – ou seja, que o povo realmente decida seus caminhos.
Fica a pergunta, porque não adotarmos o mandato revogatório, como a Bolívia o fez? Se a prefeita goza de mais de 70% de reprovação, porque o povo que lá a colocou não a pode tirar? Por que não regulamentar o referendo e o plebiscito, para que antes de privatizacoes e outras decisoes de afronta ao interesse nacional tenhamos o pronunciamento da vontade popular?
Que o povo decida.
Daniel Araújo Valença é professor de Ciência Política do curso de Direito da Universidade Federal Rural do Semi-Árido.
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