Em entrevista por e-mail à IHU On-Line, o frei Gilvander, como é conhecido na Comunidade Dandara, fala sobre a ocupação de uma área de 315 mil metros quadrados a 28 quilômetros do centro de Belo Horizonte. O local que pertencia à Construtora Modelo e que devia R$ 2,2 milhões em impostos, foi ocupado na madrugada de uma quinta-feira Santa, em abril de 2009, hoje abriga mais de 1.100 famílias que lutam e defendem o direito à moradia. O nome da comunidade, Dandara, é em homenagem à companheira de Zumbi dos Palmares, a estrategista que cuidava da segurança interna do Quilombo de Palmares.
Gilvander Luís Moreira é frei e padre carmelita. Bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, fez teeologia no ITESP/SP e mestrado em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. É doutorando em Educação pela FAE/UFMG, assessor da CPT, Cebi, SAB e Via Campesina, em Minas Gerais. Autor dos livros Compaixão-Misericórdia, uma espiritualidade que humaniza (São Paulo: Paulinas, 1996) e Lucas-Atos: Teologia da História (São Paulo: Paulinas, 2004).
IHU On-Line – Como podemos compreender a ocupação Dandara frente à problemática político-social de Belo Horizonte e de Minas Gerais?
Gilvander Luís Moreira – Minas Gerais continua sendo um estado conservador em termos de transformações sociais. Por exemplo, no Rio Grande do Norte já existem 297 assentamentos de reforma agrária. Em Minas, apenas 300. Deveria ter, pelo tamanho do estado, no mínimo, 1.500 assentamentos. Cerca de um terço do território de Minas, estima-se, são de terras devolutas que estão griladas nas mãos de grandes empresas eucaliptadoras. Assim, o êxodo rural tem sido intensificado ultimamente. O déficit habitacional em Belo Horizonte está em torno de 200 mil moradias. Em Minas Gerais, quase um milhão de moradias. O prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda (PSB/PSDB/DEM), no seu primeiro mandato, não fez nenhuma casa para famílias de zero a três salários mínimos pelo programa Minha Casa Minha Vida. Além disso, Belo Horizonte é a única capital que não entregou ainda nenhuma casa por esse programa. Apenas no primeiro dia de cadastro para o programa Minha Casa Minha Vida, há quatro anos, 198 mil famílias se inscreveram. No ritmo que a prefeitura está construindo casas populares, serão necessários 200 anos para zerar o déficil habitacional, caso ele não aumente. Uma injustiça que clama aos céus! Os pobres não podem viver no ar. Ainda existe lei da gravidade.
Diante dessa injustiça estrutural, de um Estado violentador dos direitos humanos, dois fatores, dentre outros, têm levado os empobrecidos à luta: a necessidade e o compromisso de centenas de jovens e adultos com a causa dos pobres. Por isso, na madrugada de 09-04-2009, uma quinta-feira da Semana Santa, cerca de 140 famílias sem-terra e sem-casa, organizadas pelas Brigadas Populares e pelo MST, ocuparam, no bairro Céu Azul, região da Nova Pampulha, em BH, um terreno abandonado há décadas, 315 mil metros quadrados (31,5 hectares), um latifúndio urbano que não cumpria sua função social. O primeiro dia foi uma batalha árdua e inesquecível, mas o povo resistiu diante de centenas de policiais com armas nas mãos, com helicóptero, cães, balas de borracha etc. Ao anoitecer, quando a polícia já tinha encurralado o povo em um dos cantos do terreno, na iminência de fazer o despejo pela força militar, muitos jovens da Vila Bispo de Maura, comunidade de periferia existente ao lado, vieram em socorro às famílias da ocupação Dandara e começaram a jogar pedras nos policiais. Assim eles viraram as armas para os jovens da vila. A TV Record apareceu, filmou o conflito social e exibiu no jornal da TV Record. Na madrugada seguinte, começaram a chegar novas famílias que estavam crucificadas pelo aluguel – veneno que come no prato dos pobres – ou humilhadas pela sobrevivência de favor em casa de parentes, implorando para serem aceitas na ocupação. Foi organizada uma fila para o cadastramento. No quinto dia de ocupação Dandara já havia 1.200 famílias, o que levou a coordenação a iniciar o cadastro de uma fila de espera.
Nenhum comentário:
Postar um comentário