1 de julho de 2011

A Grécia, o mundo e nós com isso


do Observar e absorver 


  
Temos à nossa frente um painel demonstrativo. A estrutura “social” está exposta. Um parlamento cercado pela população em fúria, contida pela polícia, pancadaria, gás lacrimogênio e bala de borracha. Enquanto o sistema de segurança é lançado sobre os cidadãos em geral pacatos, os que se dizem seus “representantes” votam um pacote de medidas legislativas retirando direitos e benefícios sociais, reduções em salários e aposentadorias, por imposição de entidades financeiras mundiais, em nome dos seu lucros. A subjugação de países pelo poder privado está entrando na Europa pela Grécia, o irmão pobre da família européia. Já se estende a outros. Portugal e Espanha estão na linha. Os direitos sociais conquistados pelos povos europeus são retirados com a chegada do neoliberalismo, o controle das empresas sobre os Estados. A população protesta, contida pelas forças de segurança, cada vez mais especializadas na contenção de massas. 


“Stathis Kouvelakis, professor de economia política em Londres, sublinha o simbolismo das imagens de manifestações em frente ao parlamento que têm corrido o mundo. "É o sistema político contra o povo. Existe uma ruptura de legitimidade profunda", declarou o investigador ao diário francês Le Monde.” *

Os sinais estão aí. Compare-se uma delegacia de crimes contra o patrimônio com uma de homicídios. Em qualquer universidade, a área social é relegada a segundo plano, em beneficio das áreas tecnológicas, ligadas aos interesses empresariais. Os bairros ricos são atendidos, as comunidades pobres são esquecidas, a não ser aquelas exceções escolhidas para servirem como provas do esforço feito para solucionar os problemas, vitrine eleitoral e hipocrisia social. O ensino público é sabotado em todos os sentidos, a saúde pública é caos e barbárie, enquanto não faltam financiamentos para grandes empresas e dinheiro no tal “superávit primário”, na verdade dinheiro pra bancos internacionais, metade do orçamento da união, a pagar os juros de uma dívida que não acaba e carrega o nome de “dívida pública”, apesar do público não entender bem como, quando e onde se fez essa dívida toda, nem o que foi feito com o dinheiro. O patrimônio público, propositalmente mal administrado pra gerar pretexto, foi entregue a grandes empresas, cujo único objetivo é o lucro, apesar das juras publicitárias de amor e boa vontade. O patrimônio e o lucro valem mais do que a vida, estabeleceu-se uma hierarquia onde o valor da vida está atrelado ao patrimônio, a vida da maioria das pessoas vale muito pouco ou nada, sempre dependendo das suas posses. Desumanizou-se a sociedade, a vida, os desejos, as visões de mundo. O medo é semeado às mãos cheias, as pessoas atiradas umas contra as outras, em competição permanente e infernal. Não há democracia além da fachada. A sociedade é controlada do escuro, dos bastidores, onde a mídia não vai, pois pertence aos próprios controladores. Os falsos jornalistas mentem, omitem, enganam, distorcem, fabricam uma realidade falsa e incompreensível, atirando culpa às vítimas e enaltecendo vampiros da sociedade e seus funcionários midiáticos, as “celebridades”. O diploma não faz o jornalista de verdade. E a mídia privada, gigante e dominante, emprega os jornalistas da mentira e do entretenimento narcótico, superficializante. Com raríssimas exceções.

Entorpecidos pelos narcóticos midiáticos, sustentamos o sistema que nos destrói a alma, desinstruídos, desinformados, acreditando em mentiras, enganados sem defesa. Construímos, mantemos e sustentamos as grandes empresas, que controlam o Estado e as políticas públicas em prejuízo da população, enquanto a mídia nos convence de que é isso mesmo, tudo muito natural, político não presta – embora não deixe de existir e atuar na administração da sociedade –, a vida é uma competição desenfreada, qualquer um pode ser um vencedor, com esforço, progresso precisa de destruição, felicidade é consumir, possuir e desfrutar, tudo em excesso, enriquecer é o objetivo da vida, a medida de valor é a riqueza, a ostentação, a arrogância. Sentimentos e emoções são monitorados pela tela, com quadros melodramáticos, novelas, programas de futricas e outras baixarias.

Quando deixarmos de acreditar nessas mentiras e em muitas outras, os elos das correntes que nos escravizam, que nos prendem a uma vida sem sentido, angustiante e frustrante, irão se rompendo, até que desapareçam. E nada, nenhum organismo de repressão ou controle, vai poder impedir o processo. Está em curso. Começa dentro, na alma de cada um, e vai transformando as visões, os comportamentos, os valores, os desejos, os objetivos de vida, as formas de relacionamento e posicionamento, de participação nas coletividades. Transformando os sentimentos, as ações e as reações. Um processo de contágio vibracional se propaga, se multiplica, ainda pouco a pouco, mas em ritmo crescente. Muitos trabalham neste sentido, denunciando pacificamente as mentiras, instruindo, conscientizando, pois somos nós quem constrói, quem mantém, quem sustenta todo esse sistema, alienados, induzidos, enganados, como o burro puxa a carroça tentando alcançar as cenouras na vara, que não alcançará até levar sua carga ao destino morro acima e, às vezes, nem assim. 

Quando retirarmos nosso consentimento, deixarmos de perseguir as cenouras, nos recusarmos a competir e formos solidários, a estrutura desmorona.

                                                                                                                                   Eduardo Marinho 

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